terça-feira, 30 de agosto de 2011

A Tristeza, a Indignação e a Retórica,



Ao ouvir hoje o Programa Luiz Ribeiro, na Super Rádio Tupi  - recomendo -, fui levado a uma reflexão que muitas vezes tem me acompanhado ali, escondida, esperando por uma oportunidade, normalmente triste, para se manifestar. O mestre, condutor do excelente programa, chamou, indignado, a atenção para um fato deixado de lado no episódio no qual o técnico do Vasco da Gama, Ricardo Gomes, sofrera um Acidente Vascular Encefálico. Luiz Ribeiro perguntou a todos nós: Por que o jogo continuou se no meio deste jogo alguém deixava o estádio com sérios riscos de morte? A indignação do âncora poderia estar acompanhada pelo fato de que Ricardo era uma das personagens principais do evento, no caso o jogo, mas em nenhum momento este pensamento retórico acompanhou a indignação do Luiz Ribeiro... E nem deveria! Ricardo é sim uma pessoa pública, um dos atores principais  naquela peça teatral que se desenrolava no “tapete” verde do Engenho de Dentro, mas antes de ser Ricardo Gomes, técnico do Vasco, o homem que se encaminhava ao imprevisível era o pai de Diego, um homem de família como tantos outros homens de família que existem por aí, por aqui.  Na verdade, e hoje esse pensamento soa como retórica,  qualquer um naquele evento que passasse por problema semelhante ao de Ricardo Gomes mereceria da condição humana uma atitude assim, de interrupção do espetáculo que ali acontecia. Até porque um espetáculo como aquele busca a alegria, o entretenimento e não um encontro tão próximo com a possibilidade de uma morte. Mas o jogo não parou.
O jogo não parou e ninguém aventou essa possibilidade enquanto tudo corria normalmente como se nada tivesse acontecido. O jogo não parou... Não deveria ter mesmo parado? Que homenagem mais comovente poderia receber Ricardo Gomes senão o imediatismo de uma reação sincera ao que acontecia a ele? Não quero aqui dizer que jogos com faixas, abraços de torcidas, nomes na camisa, jogos com mosaicos não serão homenagens sinceras, mas soa como retórica uma vez que a indignação diante da tristeza daquele momento não foi capaz de prevalecer. O Jogo não parou.
Ainda quase dentro da mesma indignação, Luiz Ribeiro mencionou o episódio da morte de Ayrton Senna. Mais uma vez consternado Luiz perguntou ao microfone: Por que a corrida não parou?! Como aqueles homens, e aí endosso a pergunta, conseguiram continuar arriscando suas vidas enquanto uma preciosa vida os deixava ali, tão perto? Respondem à indignação que a tristeza não é páreo para a necessidade que o show tem de continuar, de entregar o que por ele pagaram. Puxa, mas e a vida? Retórica, papo furado. Papo furado enquanto a morte sonda sorrateira pelos lares de outros que não o nosso. A corrida deveria ter parado, medidas enérgicas deveriam ter sido tomadas para melhorar a segurança geral de todos os pilotos.
Hoje, no mesmo programa, soube da notícia de que uma menina de 9 aninhos achou a arma de seu pai “escondida” em um de seus bichos de pelúcia e desferiu um tiro em sua própria cabeça.  Minha tristeza e minha indignação se juntam para tentar combater minhas palavras que soarão como retórica, mas eu pergunto: por que essa menina emociona menos que o treinador do Vasco da Gama? Por que a humanidade não destila mais sua própria essência? Por que o carnaval que se seguiu à morte de João Hélio não foi cancelado?  Por que vemos pessoas passando por necessidades diversas nas ruas e não nos damos conta de que são seres da mesma espécie que a nossa? Aonde pararemos agindo assim, pensando assim, deixando de sentir assim.
Sim, eu sei que são retóricas, mas não deveriam ser, você não concorda?

8 comentários:

Orlani Júnior disse...

Fala, Visão!

Penso da mesma forma, não tinha mais condições de ter jogo:
1. em respeito ao treinador, ao ser humano à vida;
2. os jogadores não tinham mais condições emocionais;
3. e se saísse um gol? como agir?

Não sei se você se recorda: Quando Retzenberg morreu no treino e Senna na corrida ambas foram canceladas? E a tragédia de São Januário, no Vasco e São Caetano, quando queriam forçar a ter jogo de qualquer jeito? É a tendência do ser humano, ser egoísta ao extremo, falta de bom senso, o que vale é o "espetáculo", o dinheiro que a Tv investiu e por aí vai.

Para terminar vou copiar um excelente texto sobre o fato - você que é ouvinte assíduo do programa da tupi, mande esse texto para eles (a imprensa como um todo) refletirem sobre o papel dela: que vale mais a vida ou a manchete? a vida ou a foto de capa? a vida ou exclusividade?

Vou copiar no próximo comentário, pois excedi 4096 toques.

SRN

Orlani Júnior disse...

O texto foi escrito por Gabriel Góes Barreira, estudante de Jornalismo da PUC-Rio. Segue:

"A mão esquerda que ampara o rosto tenta disfarçar de si mesmo e de olhares alheios a vertigem e a dor.

Tenta apagar da mente os vultos e apagões que se infiltram na vista.

A cabeça parece dobrar de tamanho numa enxaqueca exponencial.

Reincidente. Denuncia um novo problema cerebral à vítima.

A mão esconde também sua preocupação. Os movimentos mal obedecem o comando nervoso. Na tentativa de relatar a falha, se dá conta de que as frases se dissipam na língua antes que cheguem aos ouvidos de seus inquisidores. “Qual é o seu nome? Lembra de mim? Diz para mim, qual o seu nome?”

Ricardo Gomes, ele jura responder, mas a boca não obedece. A voz perde a força. O ar exalado soa como o último suspiro de um saxofone desafinado, soprado por uma criança. O tempo se perde na tentativa de autoconhecimento de um novo corpo. Estranho. De um novo eu.

Agora, os policiais que o amparam são vistos pela metade. Não pela vertigem. A pálpebra direita se força a fechar, em consequência do acidente vascular cerebral.

Censurado por si próprio, se deixa dominar completamente pelo desespero.

Mudo, é incapaz de demonstrá-lo.

A impotência aumenta quando percebe que o lado direito não mais se movimenta.

Torna-se impossível ir sozinho até a ambulância.

Os curiosos e a imprensa à frente não permitiriam, de qualquer forma.

Policiais e médicos pedem distância. A movimentação alerta o técnico do Vasco da Gama para sua própria saúde. Crítica. Sem forças, ele é carregado até a porta lateral da CTI móvel.

Atrás dela, na porta de fundos, o fotógrafo clica a imagem que será capa do caderno de esportes no dia seguinte.

Seu gosto é discutível, mas sua presença é inegavelmente um contra-senso.

Afinal, na outra ponta do mesmo fenômeno, o repórter de TV abre o microfone e repassa a informação dos especialistas: a situação exige cuidado e distância para não deixar o doente ainda mais afobado. Pressão arterial: 19 por 12.

O zoom da câmera fotográfica seria suficiente. A invasão é desnecessária.

A imagem da transmissão ao vivo que ilustra a narração do repórter se mantém do início ao fim da fala.

Depois disso também. Fixa na tela outro contra-senso. No empurra-empurra, o cinegrafista ignora o aviso e mantém Ricardo Gomes em quadro.

Uma legião de profissionais da mídia o rodeiam, clicando, filmando e perguntando.

Máquinas em punho sobre as cabeças.

Dezenas delas em volta da ambulância.

A tragédia quebra o protocolo e a Globo perde a exclusividade das primeiras entrevistas. O monopólio acordado com a CBF perde o sentido e repórteres de várias emissoras de rádio e TV cercam a ambulância.

No afã de informar, a mídia torna-se um obstáculo.

Pena que não haverá auto-crítica.

Acabada a partida, os melhores momentos das concorrentes não podem durar mais de um minuto e só vale mostrar o que aconteceu dentro de campo.

Fica impossível analisar a formação tática dos jornalistas, escalados no 'abafa' pelos seus comandantes.

Mas, pelo replay, vê-se que ninguém largou o gravador para estender a mão ao ser humano inerte.

Nenhum jornalista abriu caminho para a ambulância.

Pelo contrário, formou-se uma barreira humana iluminada por flashes."

SRN, este é meu. rs

Visão Desconexa disse...

Dois belos textos retratando a macabra beleza da humanidade que se dá conta de não mais existir. O mundo não permite. Mas não somos nós as molas mestras do mundo? Então, nós não permitimos! Até que a macabra beleza da morte bata a nossa porta, pior, a nossa circunvizinhança. Aí o mundo dói e o bicho pega.

Um abraço!

Alan disse...

É um assunto que dá para se discutir usando vários pontos de vista.

Eu estava vendo o jogo junto com a minha mãe (virou um hábito nos últimos anos) quando o jornalista global avisou que o Ricardo estava passando mal. Daquele momento até a saída do estádio eu só me dei conta que era algo grave e não uma tontura qualquer quando percebi o desespero do médico e quando levaram nos braços o técnico para a ambulancia. Mesmo assim só caiu a ficha da gravidade quando noticiaram o diagnóstico no hospital. O que eu quero dizer é que talvez o árbitro e outros envolvidos não tenham percebido a gravidade da situação.

Acho que de todos os espetáculos a fórmula 1 é a mais fria que tem e que visa o dinheiro acima de tudo sempre. Por isso não pararam a corrida por causa do acidente. Infelizmente o ser humano ali é uma parte da máquina, da engrenagem, descartáve e que permite uma reposição adiante.

O caso da menininha que eu me entristeci muito, alguns simplesmente ignoram porque são aqueles que defendem o cidadão armado, que acham o desarmamento "maluquices da esquerda", embora eu já tenha visto um líder do PSTU defender o direito a ter uma arma. Então um dia, a desgraça adentra a casa de um pai e não serve de exemplo.

Abraço nos dois.

Visão Desconexa disse...

É verdade Alan,

Até quem estava em casa, de acordo com seu temperamento, foi vendo a gravidade surgir aos poucos. Inclusive usei isso para "defender" as amebas que gritaram palavras ofensivas ao técnico do Vasco quando a ambulância o conduzia para fora do estádio.
Mas este episódio, que pode ser interpretado com várias visões, serve apenas para atestar que realmente a indignação dos seres humanos flexibilizou-se demais.

Há um século atrás, se as pessoas quando as pessoas passavam nas ruas das "grandes metrópoles" e viam crianças carentes... Sei lá, acho que a condiç~]ão humana falava mais alto e o constrangimento do a situação da criança era maior. Hoje um cara tem um ataque epilético na rua e as pessoas passam ao largo sem ao menos procurarem saber do que se trata. Não estou criticando, ou não tenho a intenção de criticar pessoas, provavelmente eu com pressa deixaria o cara tendo o ataque dele sozinho, mas critico nossa condição, nossa vida que muitas vezes nãos nos permite ser quem somos, ou o que nascemos para ser.
Tem gente que vai chiar, mas um outro exemplo que me chamou a atenção...
Nas lutas de Sábado houve uma em que o brasileiro depois de já ter derrubado seu oponente no chão ficou lhe socando a cara por uns bons 20 segundos. Meu Deus do Céu! Depois de constatada a sua vitória ele saltou para a glória com a torcida em polvorosa. Vi isso noutro dia: MAD MAX e a Cúpula do Trovão. Qualquer semelhança...

Abraços!!!

Alan disse...

Esse individualismo eu encontrei na graduação e confesso foi um choque para mim e é essa forma de agir minha também que me faz mal. Sábado ao ir para casa pós jogo naturalmente irritado com o Abel, quase tropecei em um morador de rua ali no entorno. Desviei e segui meu caminho como se fosse algo normal e isso não é um comportamento adequado. Sei muito bem o que causa a exclusão social, estudei para saber e penso: De que me vale esse conhecimento se eu aceito a situação. É triste.

Visão Desconexa disse...

Calma meu amigo,

Não é tão facil quanto parece ficar à margem da sociedade, mesmo uma sociedade que aparenta ser tão pluralista como a nossa, como o mundo é atualmente.
às vezes fico pensando... NUma guerra entre dois países, seja ela motivada por religião ou petróleo, uma bomba explode, mata uma criança e a imagem do pai carregando o corpo de seu filho aparece em todos os jornais do mundo. No meu íntimo essa guerra, assim como o jogo entre o Vasco e o Flamengo, deveria parar ali, não deu certo, não há clima, mas io mundo não é assim e por mais que aimagem me inspire esse sentimento, esse pensamento, ainda assim minha atitude é nenhuma, nada, zapeio e vou ver outra guerra noutro canal. Acho-me um cara do bem. Mas o mundo hoje já me julga um cara do bem apenas porque não faço o mal, mas e o bem, quem é que faz?
Se nós pararmos para uma reflexão... Melhor não, a não ser que essa reflexão esteja efetivamente comprometida com uma atitude posterior, como não estará... Vamos vivendo, e cantando, e sambando, até que a tristeza bata à nossa porta. Retóricas... mas a vida acontece assim mesmo, ou não?

Orlani Júnior disse...

Ah, sim! Bem lembrado, meu caro Visão!

O "esporte" que mais cresce é o tal do MMA que nem sei que significa essas iniciais, mas enquanto tiver gente socando a cara do outro, chutando a cabeça, quebrando nariz e tiver gente pagando pra ver, inclusive na tv por assinatura - conheço gente que paga o ppv -, algo está muito estranho.